(continuação da (estupidez) crónica anterior)
Depois de quase 15 dias afastado, aqui vai a versão possível dos acontecimentos ocorridos naquela tarde em Amsterdão. Digo possível porque a memória dilui-se, e qualquer semelhança com a realidade pode começar a tornar-se pura coincidência. Mas a vantagem é que tanto a realidade como a coincidência são produtos da nossa cabeça, por isso pouco importa. Aliás, ninguém quer saber da realidade, senão não se faziam telenovelas.
Pois: a varanda era mesmo alta... Não conseguia sequer agarrá-la para depois me elevar (como se depois tivesse força para isso). Como é que eu poderia chegar lá em cima? Olho em volta. O jardim, tantas vezes visto de cima nas tardes de domingo solarengas a recuperar do Club 11, parecia agora uma selva densa, com arbustos por todo o lado. Recordava-me perfeitamente de observar do alto trono minha varanda o passeio no jardim dos dois gatos que dominam as redondezas: um preto e outro malhado. Curiosamente o gato malhado malha habitualmente no preto que é o gato beta do par.... E provavelmente se o marido da Mohamed entra, quem passa a malhado sou eu!
Logo à entrada do jardim, havia uns tijolos de cimento. Pensei: se conseguisse empilhar uns 7 ou 8 destes se calhar já dava para subir. Arrasto os tijolos para um dos lados e começo a empilhá-los. Que figurinha. A vizinhança mohamed ia-se rindo. Perante o meu desespero, a cunhada da minha vizinha desce da sua varanda um escadote em alumínio. A minha vizinha recebe-o e passo-o para o meu lado por cima da vedação.
OK! Tenho um escadote!! Pelo menos 1.20 a mais eheheh! Obrigadinho oh Mohameda. Subo ao escadote e vejo que apesar de já chegar à varanda, falta-me força nos meus bracinhos de programador para me elevar. A cunhada da vizinha ri-se e graceja: "Devias ter ido para a tropa!" Eu penso "Vai-te f**er oh minha! Deves julgar que eu nasci em Gaza, não?" mas respondo educadamente "Pois é! Fui dado como inapto..." e rio singelamente "eheheh".
Os dois filhos da minha vizinha estão excitadissimos. Correm de uma lado para outro no quintal, riem-se, berram! Deve ser o acontecimento mais fixe desde o natal. Eu só penso: os miudos depois vão contar ao pai que o vizinho "saltou a cerca" e ele pode não perceber que foi em sentido literal e não em figurado e depois vem dar-me um enxerto.
Entretanto surge-me à cabeça uma personagem mítica: o MacGyver!
Só penso: como é que o gajo se safaria desta situação? De certeza ele conseguirira safar-se disto facilmente. E ainda arranjava os brinquedos dos miudos pelo caminho... Mas faltava-me a pastilha elástica, o clip e o canivete!..... Em todo o caso a questão agora era: para ganhar uns centimetros que me dariam o acesso à varanda devo pôr a escada em cima dos tijolos ou os tijolos no topo da escada? Infelizmente, qualquer uma das opções era muito arriscada e tudo parecia estar num equilíbrio muito frágil.
Mas pensando bem isto era culpa do MacGyver! A razão de eu estar ali devia-se de facto ao MacGyver, um gajo de camisa vermelha e preta aos quadrados e com cabelo azeiteiro. É triste, mas verdade. Ele foi um dos grandes inspiradores da minha juventude e foi uma das grandes razões pelas quais me tornei engenheiro, e logo ter vindo para Amesterdão (algumas iterações depois, é claro....). O gajo inspirou-me e agora deixou-me pendurado! Cabrão do "canivetinhos"! Havia de se cortar todo! eeheheh!
Mas nesse preciso momento, o espirito do MacGyver deve ter descido sobre mim e apercebo-me que tenho - desde o inicio - duas cordas de alpinismo penduradas nas grades da varanda. Eu não estava a acreditar: DUAS cordas de ALPINISMO! E era cor de laranja! Como é que eu não tinha visto??
"Está feito" - pensei - "Trepo pelas cordas!!" Mas mais uma vez a minha condição física não ajudava! Ainda andei pendurado numa das cordas tipo Tarzan.... mas não tinha força para subir. Que vergonha! Eu que em tempo fui um jovem atlético agora nem a uma corda consigo subir, e ando aqui armado em Tarzan com a vizinhança toda a rir-se.
O que vale é que a natureza é muito engraça e funciona por compensações! Eu estou fraquinho nos braços mas como ando a estudar muito, estou inteligente e então vou arranjar aqui uma solução para isto puxando pela cabeça (não, não estava a pensar enforcar-me! Não procurava a "solução final"! :)...)
E então surgiu-me, à la MacGyver: e se eu fizesse um laços na corda onde coubessem os pés e assim passava a ter uma escada em corda! Genial! Sou mesmo um gajo esperto! Subo à escada de alumino e cemço a fazer nós para espanto das Mohamedas e da vizinhança! Ouço cochichos enquanto trabalho adincadamente tipo aranhinço. Penso os cochichos deviam corresponder a "O que é que o pacóvio branquinho está a fazer agora: deu-lhe para fazer rendinhas de bilros em cima da escada??"
Depois de várias tentativas para acertar a altura de um dos nós lá consegui criar uma laçada que ficava uns 50 centimetros acima do topo da escada de aluminio, e que já me permitiriar dar o salto para a varanda. Próxima tarefa: colocar lá o pé! A operação era bem mais complicada do que o que parecia inicialmente. Mal levantava um pé da escada de aluminio, esta começava a oscilar muito rapidamente. Tremia!! Parecia que estava mais nervosa que eu! Levantava o pé e ela tremia!.... Decido uma operação ainda mais aparentemente arriscada, mas com mais possibilidades de sucesso. Mantenho o pé esquerdo na escada e apoio-me com o direito na vedação que separa os dois quintais. Fico em posição "Nureyev": se a escada se move, ou se a vedação cede, faço a espargata no ar! E aterro sobre os tijolos
Nessa altura apercebo-me que estou numa posição dificil, muito dificil: penso nos meu pais! Não por qualquer instinto de procura de protecção parental mas porque se um dos meus apoios se vai, e eu me espalho de pernas abertas no chão, a zona mas afectada seria provavelmente aquela que permitiria aos meus pais terem netinhos,,, Coitados deles. Seria uma desilusão muito grande para eles. Para mim seria apenas dores excruciantes até ao final dos meus dias....
Fecho os olhos, ganho concentração, atrás de mim a multidão aplaude. Sinto que tudo se irá decidir num breve momento. O peso de várias gerações sobre mim! A multidão continua a aplaudir. Rapidamente, tiro o pé direito da vedação e fico apoiado apenas no pé esquerdo. Sinto que o tempo para, a multidão parece agora distante, ouço apenas os passarinhos e o barulho do vento. O tempo está congelado, continuo a erguer o pé enquanto seguro com uma das mão a corda. O pé encaixa-se na corda.... Eu volto a respirar, a multidão aplaude em delírio!
Com o pé encaixado consigo erguer-me facilmente. Subo finalmente à varanda. As minha vizinha dá-me os parabéns! Eu respiro fundo! Sei que tudo isto parece um filme... mas sei que ainda não chegamos ao fim e não há garantias que não seja um filme francês!!... Pois: e agora como é que eu entro em casa?? Todas as portas fechadas!
Tento forçar as portas. A madeira estala mas elas resistem! E se partir o vidro?? Um dos mais pequenos? Afinal de contas os vidros são como os corações: devem partir-se em caso de emergência!!
Mas calma!!! A janela de respiração da cozinha, sobre a porta, estava aberta!! Uma oportunidade! O que é que o MacGyver faria?? Provavelmente faria qq coisa com uma chiclet... Mas melhor inspiração que um gajo com cabelo azeiteiro é o Chico Naifas! O Chico Naifas é um tipo que anda pelos lados do Campo Alegre e que já me assaltou o carro duas vezes. O Chico Naifas (ou apenas Naifas para quem já pode partilhar uma certa intimidade por ter sido assaltado duas ou mais vezes) é especialista no truque do arame, para abrir portas do automóveis. O Naifas é mesmo pró! Parece que aprendeu isto em Custoias quando lá esteve cinco anos por tráfico, e melhor que ele agora não há...
Procuro um arame, olho para o chão e nada. Mas há uma solução: o estendal da roupa!!! Pego no estendal e penso se o vou desfazer para arranjar o arame que preciso. Mas verifico que não é preciso já que o estendal é pequeno e cabe precisamente pelo janela da cozinha! Enfio o estendal janela abaixo e com muito jeitinho consigo puxar o trinco da porta. De repente: clique! A porta abre-se!....
Ouvem-se aplausos nas redondezas....
Viro-me para multidão encosto o punho ao peito e em seguida levo dois dedos a boca. Beijo-os e aponto para a vizinhança toda. E bem alto:
"Vocês são os maiores!"
Eles não percebem! E eu retiro-me para os meus aposentos onde tento desinfectar os arranhões que ganhei....
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2 comments:
Ah MacGyver, decerto não se apercebeu dos milhares de pessoas por todo o mundo cujo o futuro foi arruinado incentivando-os a tornarem-se engenheiros, poderiam estas pessoas hoje terem carreiras respeitáveis hoje, como futebolista a caminho da reforma numa respeitável equipa da 2ª distrital, em vez disso passam o dia agarrados ao computador e nem conseguem trepar a uma varanda. O mais triste é que ao rever a serie agora numa das sua intermináveis repetições ao fim de 5 minutos já mudamos de canal.
Não se queixem muito do Mac Gyver, ele ao menos foi coerente até ao fim...Vejam o George Clooney, inspirou milhares de pessoas em todo o mundo a irem para Pediatria. Depois de 6 anos de curso, 2 anos de internato geral e 5 anos de internato de Pediatria, o gajo abandona a série! O problema é que nos deixa a todos um bocado confusos...será que agora devemos ir assaltar casinos ou vender máquinas de café???
Gajo...não podia deixar de fazer um comentário a tua última crónica em Amesterdão. O que será desta cidade sem o tuga que descobre as diferentes versões do Lavoisier, cozinha bacalhau e arranja línguas de gato nesta cidade, quer sempre comer pizza ao sábado pelas sua propriedades salgadas e gordurosas, acorda com uma escova de dentes em cima do prato, consegue gastar 75 euros em algo cuja a unidade custa 2, arranja uma ponte com o seu próprio nome, conduz a bicla sem mãos, consegue atravessar a cidade sem parar num sinal vermelho (a pendura agradece ), quase mata o idiota do italiano e ainda figura nos famosos do You Tubes? Perde Amesterdão, ganha NY!
Rute
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