Monday, May 14, 2007

Indiana Canhoto - Parte II

(continuação da crónica anterior!)

Estava na rua! As chaves dentro de casa. O vizinho de cima deveria estar a imaginar como ele próprio arrombaria a minha porta usando o pé de cabra que tão fielmente guarda já para estas ocasiões. Eu pensava apenas no Horóscopo JN deste fim-de-semana:

Peixes: Fique na cama... E sobretudo, evite todas as regiões a Norte de Paris!!

Os gajos tinha mesmo razão: e então o detalhe geográfico é refinadamente cruel. A norte de Paris!!? PQOP! Parece que tinha sido feito para mim!!? Mas a Maya conhece-me de algum lado????

Bem: por cima nunca entraria na minha casa, por isso toquei no vinzinho de baixo. esse nunca o vi: e não estava! Toco no vizinho da direita: nada! Toco no vizinho da esquerda.... Nada. Mas de repente ouço uma voz feminina! Era uma Mohamed que veio à porta. Eu explico-lhe a situação, com uma ar um pouco desesperado certamente, ela rodeada da filharada, mohameds peqeninos por todos os lados, e depois só me responde:

"Sorry! My husband is not at home!"

E eu só pensava: o minha: sou o teu vizinho!! Mas realmente ela se calhar se me deixasse entrar apanhava uma tareia do marido e era insultada por todos os vizinhos mohameds.

Mas uma coisa que eu tenho aprendido aqui em vária situações de desespero é que a segunda insistência é normalmente mais eficaz. Nunca se deve desistir à primeira e o segundo pedido é decisivo. E então digo, fazendo um ar ainda mais desesperado:

"Desculpe mas é que eu preciso mesmo de entrar em casa e não tenho outra alternativa. Preciso de ir ao seu quintal e subir à minha varanda.

Aí, ela acede:

"Então espere que eu vou chamar a minha cunhada! Dê-me 10 minutos".

Volto para o passeio... Vageuio um pouco! Penso "A Norte de Paris?? PQOP!" Penso na vida... penso mais no tempo que estou a perder! Penso que isto começou tudo com perder fotografias! Penso que sou um gajo neurótico! Penso que tenho de parar de pensar!!!

Entretanto, a Mohamed chama-me. Mas chama-me do género: "Anda! Entra depressa e à sucapa!" Foi isso que eu percebi pela expressão dela. Queria dizer que se o marido entrava, teriamos um atentado sobre mim! O que caraças!! Era o que me faltava!

Entro rapidamente, tentando não olhar para nenhum lado de forma a diminuir a invasção de privalidade. Chego ao quintal. Uma barreira separa o quintal dela do quintal debaixo da minha casa. Ainda por cima não é uma muro: é uma especia de parede de arame sustentada por estacas onde entretanto cresceram arbustos. Como é que eu passo para o outro lado???

Lá tentei entrar por um buraquinho! Mas não dava! Meto uma perna para o outro lado, fico com uma perna em cada lado, os miudos riem-se, a cunhada na andar de cima ri-se. E eu, para não fazer figura ainda mais de palhaço: rio-me tb! É uma risota. Mas como é que eu vou passar para o outro lado?

Tento mais um pouco, afasto uma estaca, afasto um arame, meto a cabeça, penso "Ainda vou ficar aqui todo entascado e vai chegar o marido dela para me partir a cabeça e eu aqui enfiado tipo espantalho!!"

Bem, como que por magia, consegui entrar no buraco da vedação e passei para o outro lado. A minha varanda afinal é alta como o caraças!!! Como é que eu subo até lá cima! Ainda por cima estou sem ginástica nenhuma! Eu sabia que devia ter ido para a tropa.... Mas nunca a norte de Paris!!

Os miudos riam-se com tudo isto! E os vizinhos também... É bom ser mais visto que a telenovela das 6h! PQP!!

(to be continued)

Indiana Canhoto - Parte I

A minha ausência deste blog deve-se a uns dias infernais de trabalho e stress que tenho tido. Aliás, estes últimos dias aqui em Amesterdão têm adquirido uma vertigem com uma série de acontecimentos surreais e irónicos que eu estou quase a dar o tilt. Não sei qual é a causa ou qual é o efeito: se sou que que estou a dar o tilt e então meto-me em situações maradas ou se é ao contrário. Em todo o caso, o sistema já está em feedback positivo, por isso se há alguma coisa certa, é que isto vai piorar.

Na verdade isto está um filme. A custa disso eu talvez venha a escrever um livro, esperando contudo quebrar a velha tradição do filme ser pior que o livro porque posso não ficar rico com o livro mas rio-me à minha própria custa neste filme de 24h por dia. E como em Portugal ninguém quase lê, nunca ficaria rico, até porque as leituras em PT quase que se esgotam com a Bola e o profundissimo Paulo Coelho...

Neste momento escrevo este blog com as mãos cheias de calos. É verdade e apesar de ser um operário mental (sim porque me considero um apenas o correspondente a um mineiro do século 19), hoje tenho as mãos feitas num oito. Eu próprio não estou a acreditar e estou com dificuldade em ordenar os acontecimentos.

De facto, não chegou ter perdido o passaporte - que depois encontrei, após um tipo Balada de Hill Street - como sábado, enquanto verificava cuidadosamente os documentos necessários para o visto, vejo que perdi também as fotos. Fico doido. Se há coisa que me deixa doido é não encontrar alguma coisas....

Claro que revirei a casa. Praguejei! Jurei que nunca mais deixava as coisas fora de sítio! Perguntei a Deus porque é que a minha cabeça me prega partidas! Que a vida me está a deixar um lélé desmemoriado.... etc.... Alías, exactamente igual à última vez que perdi qq coisa, que tinha sido na semana passada. Burro velho não aprende linguas e eu estou cada vez mais burro!

Fiquei doido mas depois de uma ataque de fúria, acalmei e decidi fazer as pazes com a vida. "Calma Luis calma! Qual é o problema? Segunda feira tiras outras fotos e está tudo bem...."

Segunda é hoje! Tinha imensas coisas para fazer e as fotos funcionavam como pedra no sapato. Mas tinha um abstract urgente para entregar por isso comecei a escrever, e por volta do meio dia decidi ir às fotos aqui na Javastraat, cinco minutos da pé! Chego lá: fechado!!! Raios me fodam! Azar do caraças! Se calhar foi almoçar! Venho para casa a pragejar mas tento manter a calma, embora um pensamento recorrente assolava os meus pobre neurónios de burro velho: Nunca nada fica pronto à primeira! Fds!!!!

Bem, volto para casa, volto ao trabalho mantendo o pensamento obsessivo pelas fotos, reviro a casa mais duas vezes e nada!!! Ai!!! Mas "Calma Luis! Os tipos das fotos foram só almoçar: passas lá às 16h que estão lá de certeza". Fui lá outra vez por volta das quatro. Estava fechado. Ai fiquei livido! Que caraças!!!

Volto a casa ainda a pragejar mais. Vou ao sitio web do consulado Americano e vejo outras casas aqui em Amesterdão que tiram as fotos com as dimensões que eles querem. "Olha porreiro! Há outra aqui perto. Posso tentar ir lá mais logo, só tenho que acabar mais este pedaço do abstract". Encho-me de café para dar o golpe final no abstract e escrevo-o e re-escrevo-o numa hora. Envio-o aos co-autores.

Porreiro: são 17h32 aquilo fechas à seis. Vou mas é por-me lá rapidinho pq não há tempo a perder. Pego nas chaves, saio de casa de gás e quando vou fechar a porta olha para as chaves e... são as chaves do insitituto. As minhas chaves tinham ficado dentro!!!!

"Calma Luis. Fecha os olhos e volta a abrir que as chaves aparecem! Tu não estás a ficar chéché e a perder tudo! Não... respirar fundo!"

Lá respirei fundo e fechei e abri os olhos.... Várias vezes mas as chaves que tinha na mão... eram mesmo as do instituto.

Pensamentos estupidos: será que o vizinho tem alguma chave??? Como um dos quartos é partilhado com o apartamento de cima... Vou lá em cima!

Ele atende-me com a prole e diz-me que o melhor é chamar a policia... Eu já estava a ver o filme. O mesmo policia nazi que me olhou de lado quando lhe disse na esquadra que perdi o passaporte agora a vir aqui arrombar a porta do "mediterrânico irresponsável"... Perguntei-lhe se o zelador poderia ter a chave.... E ele: "Não o melhor é mesmo chamar a policia, eles fazem isso muito bem" Eu pensei: tu deves ter querido ser rambo quando eras miudo não é oh maior....

Agradeço e venho para a rua! Talvez o vizinho de baixo me ajude e eu entre pelo quintal e depois trepo à minha varanda e tento entrar por umas das portas....

(à suivre....)

Monday, May 7, 2007

Gevonden Voorwerpen

Recordo-me claramente do dia em que cheguei a Amesterdão. Passaram-se três meses e dois dias desde essa altura. Estava eneblado e tinha apenas duas referências: a morada da imobiliária que me alugaria a casa, e a morada da própria casa.
À saída da estação central, salpicada por caras e gentes de todas as cores encontrei a fila de táxis. Meti-me no primeiro, convenientemente escolhido pela destino, arrumei a pesada mala preta e a mochila no carro, prontamente ajudado pelo taxista de meia idade, e indiquei a morada da imobialiária. A caminho era confuso e só me lembro de percorrer algumas avenidas que levaram o taxi até a uma espécie de praça muito cinzenta. Procurava o número 10.

O taxista, ele próprio um pouco perdido, rodou pela primeira vez a praça e não deu com o edificio. Paramos momentaneamente à frente de uma grande esquadra, enquanto ele tentavar orientar-se. O taxista comentou, para complementar as evidências e talvez tentar afastar algum nervosismo da sua desorientação: "Está aqui uma grande esquadra!". Eu colaborei prontamente e disse, em tom de graça "Se tiver de vir aqui é porque a coisa não correu bem!". Rimo-nos breve e cordialmente.

Logo em seguida, como que por efeito deste pacto de circunstância, o número 10 sirgiu mesmo diante dos nossos olhos: edificio da imobiliária ficava mesmo em frente ao ponto onde parámos. O taxista exibia um forte sentimento de satisfação: que tinha finalmente cumprido o seu dever na plenitude. Era nitidamente um homem que não gostava de trapalhadas. O penteado rigoroso confirmava.

Saí, ele ajudou-me com as malas e fiquei à porta do edificio da Alliantie.

O edifício tinha portas rotativas....

Hoje voltei, inesperadamente, a essa estranha praça. Três meses e dois dias depois, chovia torrencialmente em Amsterdão. Procurava desta vez o departamento de Achados e Perdidos. Stephenstraat 18. Entrei na esquadra a pedir informações. Pelo mapa sabia que não estava longe. O agente de serviço indicou-me que o departamento ficava na rua de trás da esquadra. Agradeci e saí.

Lá dei com a porta. Eram 9h02 e o departamento só abria às 9h30. Fiquei abrigado da chuva debaixo de um parapeito. Às 9h30 a porta de correr abre-se magicamente. Entro nesse instante. Os funcionários não esperariam que alguém aparecesse tão imediatamente e fitaram-me. Cumprimento-os e aproximo-me do balcão.

Uma funcionária pergunta-me algo em holandês. Sorrio e peço-lhe se pode repetir em inglês. Explico-lhe para o que venho. Ela consulta o computador e recolhe ao armazem por 30 segundos. Quando volta, pousa em cima do balcão o passaporte que eu tinha perdido na quinta-feira passada.

Sorrio. Ela sorri também. Ela exibia um sentimento de quem tinha realmente cumprido o seu dever na plenitude. E eu mostrava um alívio de quem tinha saido de uma grande trapalhada. É que também eu sou um homem que não gosto de grandes trapalhadas. O meu panteado rigorosamente encharcado confirma-o! Rimo-nos breve e cordialmente. E eu sai com nítida a sensação que devia jogar mais vezes na lotaria....

Friday, May 4, 2007

Uma esquadra marciana

Sexta-feira. A Holanda festeja uma efeméride de guerra. Ceramplein entardece na presença de uma banda de metais e de um coro. Cantam os mortos e os vivos de há sessenta anos. Eu ouço a musica triste do exterior e ouço jazz no interior da casa. E ouço jazz do exterior e ouço musica triste no interior.

Estou cansado, verdadeiramente cansado neste final de semana. Acabo de chegar a casa depois de caçar um passaporte perdido que foi achado na esquadra da policia e que está nos achados e perdidos à minha espera segunda feira. Nos achados e perdidos... Estarei nos achados ou nos perdidos.

A banda toca o hino lá fora. O jazz toca cá dentro: metais caoticamente ritmados acompanhados de um orgão de fundo. O orgão transplantado para o fundo. Dois minutos de silêncio lá fora. O orgão toca cá dentro. O hino toca lá fora transplantado para dentro... Gostava de dois minutos de silêncio, cá dentro.

De repente todo o mundo me parece distante. Ceramplein parece marte. Os marcianos vestindo fardas e carregando estranhos instrumentos que fazem ruido. Será assim que chamam os outros marcianos? O momento parece grave. Eu assisto, no entanto, sem gravidade, flutuando entre as batidas do jazz. Celembram os marcianos de outro tempo. De repente a minha terra está muito distante. Já não vejo nem a mancha azul no espaço. Será que se perdeu? Ou estará nos achados e perdidos de alguma esquadra marciana?

Respiro fundo e vou fazer o jantar...